**Fabriziane Zapaga- Juíza e coordenadora do Núcleo Judiciário da Mulher (NJM) do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT)
Todas
as vezes que um feminicídio é noticiado pela imprensa surge um misto de
indignação, angústia e perplexidade. Diferentemente de outros crimes em que não
há uma ligação anterior entre vítima e algoz, no Feminicídio a mulher é
assassinada por seu companheiro (ou ex), pela pessoa que supostamente lhe
prestaria cuidados e assistência, pelo pai de seus filhos, dentro da própria
casa. Talvez por isso cause tanto estarrecimento.
Dados
da Câmara Técnica de Monitoramento de Homicídios e Feminicídios (CTMHF) apontam
que o índice de elucidação no DF é de 98%, ou seja, é um crime em que
rapidamente se identifica e condena o autor, com penas que variam de 12 a 34
anos de prisão.
Para
além da responsabilização dos Feminicídios, é de extrema relevância evitar que
outros Feminicídios aconteçam. Dados da Secretaria de Segurança Pública apontam
que, em 2021, foram registradas 16.327 ocorrências de violência doméstica no
DF. Entre os Feminicídios computados no DF desde a entrada em vigor da Lei
13.104/2015 , que tipifica tal crime, em cerca de 70% dos casos não havia
registro anterior de ocorrência pela vítima.
Tal
índice demonstra que grande número das mulheres se serve dos mecanismos
estatais de proteção e assistência, mas que, infelizmente, a maioria das
vítimas de Feminicídios não havia procurado o Sistema de Justiça anteriormente.
Trata-se de enorme cifra oculta da violência doméstica, o que aponta para a
importância do registro da ocorrência policial, com vista à atuação protetiva
do Sistema de Justiça, deixando de lado o adágio de que em briga de marido e
mulher não se mete a colher.
Quando
uma mulher procura a Delegacia de Polícia e registra ocorrência envolvendo
violência doméstica, ela preenche um formulário de avaliação de risco, que
contém diversas perguntas sobre fatores de risco de letalidade e de
reincidência. Informadas, por exemplo, ameaças com uso de faca ou arma de fogo,
agressões físicas graves (como queimadura ou enforcamento), ciúmes excessivos,
surge um alerta para risco elevado de letalidade.
Com
base nas respostas e na experiência profissional, é possível avaliar se há
risco extremo, grave ou moderado e, a partir daí, gerir riscos, o que significa
usar estratégias de proteção para evitar que ocorra uma nova violência:
concessão das medidas protetivas de urgência, fixação de medida cautelar de
monitoração eletrônica, inclusão em programas de proteção, atendimentos
psicossociais por equipes multidisciplinares para a mulher e para o agressor,
prisão preventiva do ofensor.
Um
problema sério enfrentado no Sistema de Justiça é o pedido revogação das
medidas protetivas formulado pela própria vítima. Vale ressaltar: a mulher
nunca é culpada pela violência sofrida. Todavia, em uma sociedade marcada pelo
machismo, a mulher se sente mal por ter denunciado seu agressor, se culpa, é constrangida por pessoas próximas a pedir a
revogação das medidas (ou até mesmo da prisão preventiva) “para não prejudicar “
o agressor (frase comum nos Juizados de Violência Doméstica).
Tem-se
em muitos casos uma dificuldade ou ausência de percepção do risco pela vítima,
que enxerga a situação como “briga de casal”, “coisa normal”, “só uma discussão”.
Lamentavelmente, a violência contra a mulher ainda é banalizada pela sociedade.
Há
várias razões, todas muito complexas, que mantêm a mulher em relações violentas.
Entre as mais comuns, poderia citar: 1) dependência psicológica ou financeira;
2) pressões sociais e familiares, sobretudo de filhos; 3) crenças sobre
tratamentos ou mudanças de comportamento repentinas; 4) papéis sociais
estereotipados para homens e mulheres, que impõem à mulher o “papel” de cuidar
da família, dos filhos, do lar, do parceiro, mesmo que colocando em risco a
própria segurança.
Nesse
cenário cruel para meninas e mulheres, urge que se proceda a um amplo movimento
de toda a sociedade com vistas à educação de meninas e meninos, com valores
éticos de irrestrito respeito à dignidade de gênero, para construir uma
sociedade mais justa e equânime entre homens e mulheres.