O fato é
que em português poderíamos ter também a forma "parolímpico", mas
nunca "paralímpico"
O MEU querido amigo, vizinho, filho e irmão Márcio Ribeiro me pergunta, com o
seu falar italianado e com influência do linguajar da Casa Verde, bairro
paulistano em que passou boa parte da vida: "Ma que história é essa de
'paralímpico'? Emburreci, emburrecemos todos?". E não foi só o Márcio.
Vários leitores escreveram diretamente para o jornal ou para mim para pedir
explicações.
Não, meu caro Márcio, não emburreceste. Nem tu nem os leitores que se
manifestaram. E, é bom que se diga logo, a Folha não embarcou nessa canoa
furadésima, furadissíssima.
Parece que o Comitê Paralímpico Brasileiro adotou a forma
"paralímpico" para se aproximar da grafia do nome do comitê
internacional ("paralympic"). Por sinal, o de Portugal também emprega
essa aberração -o deles se chama "Comité Paralímpico de Portugal"
(com acento agudo mesmo em "comité").
É bom lembrar que o "par(a)-" da legítima forma portuguesa "paraolímpico"
vem do grego, em que, de acordo com o "Houaiss", tem o sentido de
"junto; ao lado de; ao longo de; para além de". Na nossa língua,
ainda de acordo com o "Houaiss", esse prefixo ocorre com o sentido de
"proximidade" ("paratireoide", "parágrafo"), de
"oposição" ("paradoxo"), de "para além de"
("parapsicologia"), de "distúrbio" ("paraplegia",
"paralexia") ou de "semelhança" ("parastêmone").
Os jogos são paraolímpicos porque são disputados à semelhança dos olímpicos.
Talvez seja desnecessário lembrar que esse "par(a)-" nada tem que ver
com o "para" de "paraquedas" ou "para-raios", que
é do verbo "parar" (não esqueçamos que o infame "Des/Acordo
Ortográfico" eliminou o acento agudo da forma verbal "para").
Pois bem. A formação de "paraolímpico" é semelhante à de termos como
"gastroenterologista", "gastroenterite",
"hidroelétrico/a", "socioeconômico", das quais existem
formas variantes, em que se suprime a vogal/fonema final do primeiro elemento
(mas nunca a vogal/fonema inicial do segundo elemento): "gastrenterologia",
"gastrenterite", "hidrelétrico/a",
"socieconômico". O uso não registra preferência por um determinado
tipo de processo: se tomarmos a dupla "hidroelétrico/hidrelétrico",
por exemplo, veremos que a mais usada sem dúvida é a segunda; se tomarmos
"socioeconômico/socieconômico", veremos que a vitória é da primeira.
O fato é que em português poderíamos perfeitamente ter também a forma
"parolímpico", mas nunca "paralímpico", que, pelo jeito,
não passa de macaquice, explicitação do invencível complexo de vira-lata (como
dizia o grande Nelson Rodrigues). Pelo que sei, em inglês... Bem, dane-se o
inglês. Danem-se os Estados Unidos, a Inglaterra e a língua inglesa.
Alta fonte de uma das nossas mais importantes emissoras de rádio me disse que o
Comitê Paralímpico Brasileiro fez pressão para que a emissora adotasse a
bobagem, digo, a forma americanoide, anglicoide ou seja lá o que for. A farsa é
tão grande que, em algumas emissoras de rádio e de TV, os repórteres (que
seguem ordens superiores) se esforçam para pronunciar a aberração, mas os
atletas paraolímpicos logo se encarregam de pôr as coisas nos devidos lugares,
já que, quando entrevistados, dão de ombros para a bobagem recém-pronunciada
pelo entrevistador e dizem "paraolímpico", "paraolimpíada/s".
Eu gostaria também de trocar duas palavras sobre "brasuca/brazuca" e
sobre o barulho causado pelo "porque" da presidente Dilma, mas o
espaço acabou. Trato disso na semana que vem. É isso.
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