A ARTE DE MORRER.
“Mas como se ririam então, e
como pasmariam de nós aqueles homens imortais! Como se ririam das nossas
loucuras, como pasmariam da nossa cegueira, vendo-nos tão ocupados, tão
solícitos, tão desvelados pela nossa vidazinha de dois dias, e tão esquecidos e
descuidados da morte, como se fôramos tão imortais como eles? Eles sem dor, nem
enfermidade; nós enfermos, e gemendo; eles vivendo sempre; nós morrendo; eles
não sabendo o nome à sepultura; nós enterrando uns aos outros. Eles gozando o
mundo em paz; e nós fazendo demandas e guerras pelo que não havemos de gozar.
Homenzinhos miseráveis (haviam de dizer), homenzinhos miseráveis, loucos,
insensatos, não vedes que sois mortais? Não vedes que haveis de acabar amanhã?
Não vedes que vos hão-de meter debaixo de uma sepultura, e que de tudo quanto
andais afanando e adquirindo, não haveis de lograr mais que seis pés de terra!
Que doidice, e que cegueira é logo a vossa? Não sendo como nós, quereis viver
como nós?
Assim é: Morimur ut
mortales: vivimus ut immortales [Morremos como mortais: vivemos como imortais];
morremos como mortais que somos, e vivemos como se fôramos imortais.
(...)
Ora, senhores, já que somos
cristãos, já que sabemos que havemos de morrer, e que somos imortais; saibamos
usar da morte, e da imortalidade. Tratemos desta vida como mortais, e da outra
como imortais.”
Pe. Antônio Vieira. A Arte
de Morrer. 2º sermão da 4ª feira de Cinza. Ano de 1673, séc. XVII.
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