OCASIÃO

Não é o fazer, não é o não fazer
É a circunstância motivadora
À ação ou  omissão
Do meu ver e não viver
Do meu ver e viver
Por que o viver de cada vivente
É aquilo que lhe basta


RSG


CONTARDO CALLIGARIS - Saques, arrastões e "ressentiment"

A turba que afugentou Luís 16 e Maria Antonieta de Versailles, em 1789, pedia pão porque estava com fome.
A turba de Londres em 2011 pedia bugiganga eletrônica e roupa de marca -artigos que, aos olhos de muitos, parecem não ser de primeira necessidade. Ou seja, aparentemente, a violência da turba de 1789 talvez fosse justificada, mas a de 2011 não é.
No domingo passado, na Folha, Eliane Trindade escreveu sobre meninas de rua que praticam arrastões em São Paulo. Elas procuram produtos para alisar o cabelo, celulares cor-de-rosa e lentes de contato verdes para mudar a cor dos olhos.
Alguém estranha que elas não prefiram uma comida boa ou uma roupa quente? Como disse uma menina, o que elas querem é ser bonitas (claro, nos moldes da cultura de massa). Será que, como a turba de Londres, elas seriam culpadas por não desejarem bens "de primeira necessidade"?
Não penso assim -e não é por indulgência com assaltos e arrastões. É porque, na nossa época, as "futilidades" são, no mínimo, tão relevantes e tão necessárias quanto era o pão em 1789. Explico.
Em 1789, as diferenças eram de casta. Salvo filósofos perdidos na turba, as pessoas reunidas no protesto queriam manifestar sua indignação e satisfazer sua fome, mas não pensavam em mudar a ordem social e subir na vida. Na época, aliás, ninguém subia para lugar nenhum, as pessoas ocupavam o lugar que lhes cabia por nascimento.
À força de indignação e raiva, as coisas foram longe, até que ruiu o próprio regime de castas. Desde então, o que confere status não é mais o berço (nobre ou não) no qual a cegonha nos depositou, mas fatores que não dependem só do acaso: trabalho, riqueza, estilo, virtudes morais, cultura etc.
"Quem somos" depende de como conduzimos nossa vida e (indissociavelmente) de como ela é avaliada pelos outros. Para obter o reconhecimento de nossos semelhantes (sem o qual não somos nada), os objetos que nos circundam ajudam mais do que a barriga cheia; eles têm uma função parecida com a dos paramentos das antigas castas: declaram e mostram nosso status -se somos antenados, pop, fashion, sem noção, ricos, pobres ou emergentes, cultos ou iletrados.
Podemos achar cafonas os objetos roubados pelas meninas e pelos saqueadores (o consumo de massa desvaloriza seu consumidor), mas o que importa é que eles roubaram objetos que lhes eram necessários para existir, para ser "alguém" no mundo. Isso não justifica nem saques nem arrastões; mas vale notar que, na nossa época, as futilidades são, no mínimo, tão relevantes e necessárias quanto era o pão para o pessoal de 1789.
Outro aspecto. Houve quem detestou os saqueadores londrinos por eles não estarem interessados em alterar a ordem social: roubaram para ter as mesmas coisas que a gente e, portanto, chegar exatamente ao lugar que nós ocupamos agora. Para usar uma expressão clássica em filosofia, os saqueadores seriam um caso de "ressentiment".
Nietzsche tomou o termo (e parte de seu sentido) de Kierkegaard. Modernizando, a ideia é a seguinte: "Não tive sorte ou, então, sou burro e preguiçoso, acho chato estudar e gosto de dormir. Sou invisível socialmente e invejo o bem-sucedido, que se pavoneia com seus objetos. Não quero me sentir culpado de minha condição; prefiro, portanto, acusar dela o bem-sucedido. Com isso, viverei minha mediocridade como se fosse o resultado da violência dos privilegiados, que gozam de tudo e não deixam nada para mim".
Enfim, para se consolar, o ressentido inventa uma moral (social ou religiosa) pela qual, no futuro, seu perseguidor será destronado pela revolta ou queimará nas chamas do Inferno.
Nos bares da "facu" de filosofia, nos anos 1970, colegas de direita acusavam a revolução proletária de ser apenas um projeto ressentido. Respondíamos que a revolução não era ressentida, porque ela não queria vingança, não queria substituir a burguesia, apropriando-se de seus brinquedos: seu intuito era inaugurar um mundo diferente, onde todos gozaríamos de novos prazeres.
Desse ponto de vista, os saqueadores de Londres, eles sim, seriam simplesmente uns ressentidos, não é?
Pode ser, mas, antes de responder, recomendo paciência: o que hoje parece apenas "ressentiment" pode ser a faísca de mudanças que nem suspeitamos. Afinal, o pessoal de 1789 só pedia pão, e olhe o que aconteceu...

ccalligari@uol.com.br

fonte: Conteúdo Livre

PSEUDOIMBECILIDADE E PSEUDOINTELIGENCIA


As crianças criam a "pseudoimbecilidade" como forma de se defenderem. Fazem-se passar por estúpidas quando  estão num contexto que não podem nem aceitar nem modificar. Leio  isto no livro A AMBIGUIDADE  de Simona Argentieri, que sairá brevemente no Brasil

         Serão só as crianças?

         Paro a leitura e   penso. O que isto teria a ver com o conceito de "servidão  voluntária" de que falava, há mil e  quinhentos anos, o filósofo Boethius  no decadente Império Romano? Tem gente que aceita silenciar-se, moldar-se, ser subalterno ou se comporta como os animais que se mimetizam com o ambiente para não serem notados. É' um tipo de esperteza, esperteza que consiste em parecer estúpido.

         Como variante disto, penso também na questão das pessoas  que se inserem numa ideologia que está na moda. É' uma maneira de se exibir usando uma carapaça charmosa. E isto me leva logo a uma outra categoria que poderíamos criar- a do "pseudointeligente". Uma pessoa pode, por exemplo, passar por " inteligente" nos meios acadêmicos e nos bares simplesmente recitando o receituário de uma certa filosofia ou de um autor que entrou na moda. Pode passar por alguém que está "por dentro" quando na verdade realmente ele está por dentro, ou seja,  é um parasita da ideologia dominante,

           Se o "pseudoimbecil" se retrai ocultando a sua verdadeira opinião, como casca, para se defender ( mecanismo que Winnicott estudou), o segundo avança criando uma máscara de falso ajustamento, e quando sozinho  não sabe  o que fazer da angústia e da insatisfação que esse comportamento deixa residualmente.

         Os regimes autoritários, as inquisicões, as patrulhas ideológicas obrigam o indivíduo a esconder sua verdadeira opinião. Realmente é um risco desafinar no "coro dos contentes". Alguns perdem a cabeça, o emprego, o espaço nos jornais.

         A  "pseudointeligência"  que é uma maneira sábia de ser covarde, nos leva a consumir o que está na ordem do dia,  seja a moda, a roupa, a música, a arte e até a  comida. Os argumentos usados, já que  são gerados por um "falso ego" -o da máscara, repetem a vulgata, o discurso alheio. Poder-se-ia dizer que neste caso, são pessoas que não têm  "redação própria"  ou "autonomia de vôo" .

         A coisa é tão complexa e sutil e, às vezes, tão paradoxal  que a cultura contemporânea tem incentivado a "pseudointeligencia"  de formas novas. A ascensão das nulidades, o culto ao mercado, a necessidade de seduzir as classes C, D e E  estão embaralhando não só sujeitos e objetos, mas sobretudo os conceitos.


24.08.2011-Estado de Minas/Correio Braziliense
fonte: http://www.affonsoromano.com.br/blog/

ANA MOURA- VOU DAR DE BEBER Á DOR-

FADO

CONTARDO CALLIGARIS - É fácil desistir de nossos sonhos



GIL PENDER, o protagonista do último filme de Woody Allen, "Meia-Noite em Paris", quer deixar de escrever roteiros de sucesso (que ele mesmo acha medíocres) para se dedicar a coisas "mais sérias" e menos lucrativas: um romance, por exemplo. Ele acumulou dinheiro suficiente para tentar essa aventura por um tempo, em Paris, como um escritor americano dos anos 1920.Infelizmente, Pender está prestes a se casar com uma noiva que aprecia muito seu sucesso atual, mas não tem gosto algum pela incerteza (financeira) de seu sonho. Tudo indica que ele se dobrará às expectativas da noiva, dos futuros sogros e do mundo, renunciando a seu desejo. Talvez seja por causa dessa renúncia, aliás, que noiva e sogros o desprezam (todo o mundo acaba desprezando o desejo de quem despreza seu próprio desejo).Mas eis que, na noite parisiense, alguns fantasmas do passado levam Pender para a época na qual poderia viver uma vida diferente e mais intensa -a época na qual seria capaz de fazer apostas arriscadas.A idade de ouro de Pender é a Paris de Hemingway, Fitzgerald, Cole Porter, Picasso etc. Como disse Gertrude Stein (outra protagonista do sonho do herói), eles são a geração perdida, entre uma guerra terrível e outra pior por vir (isso ela não sabia, mas talvez pressentisse). Por que eles fariam a admiração de Pender e a nossa? Hemingway responde quando explica a Pender que, para amar e escrever, é preciso não ter medo da morte. Claro, não ter medo da morte talvez seja pedir muito, mas Pender poderia mesmo se beneficiar com um pouco mais de coragem; se conseguisse decidir sua vida sem medo da noiva e dos sogros, seria um progresso.Concordo com o que escreveu Marcelo Coelho, em artigo neste mesmo espaço na edição de 22 de junho: uma moral do filme é que "temos só uma vida para viver -a nossa", ou seja, tudo bem sonhar com a idade de ouro, à condição de acordar um dia.Agora, o que emperra a vida de Pender não é seu sonho nostálgico, é o presente. A nostalgia, aliás, é seu recurso para não se esquecer completamente de seus próprios sonhos. É como se, para preservar seu desejo, ele o situasse numa outra época. Mas preservá-lo de quem?Antes de mais nada, um conselho. Acontece, às vezes, que nosso sucesso não tenha nada a ver com nossos sonhos -por exemplo, você queria ser promotor de Justiça, mas fez algum dinheiro com a imobiliária de família e aí ficou, renunciando a seu sonho.Nesses casos, uma precaução: case-se com alguém que ame seu sonho frustrado e não só seu sucesso; sem isso, inelutavelmente, chegará o dia em que você acusará seu casal de ter sido a causa de sua renúncia. Em outras palavras, é possível e, às vezes, necessário renunciar a nossos sonhos, mas é preciso escolher como parceiro alguém que goste desses sonhos e dos jeitos um pouco malucos que usamos para acalentá-los (no caso de Pender, passeios por Paris à meia-noite e na chuva).Voltemos agora à pergunta: contra quem Pender precisou preservar seu desejo, mandando-o para outra época? Contra a noiva que desconsiderava seus sonhos? Aqui vem outra moral do filme.Pender não é nenhum caso raro: todos nós, em média, dedicamos mais energia à tentativa de silenciar nossos sonhos do que à tentativa de realizá-los. Muitos dizem que desistiram de sonhos dos quais os pais não gostavam por medo de perder o amor deles. Mas por que Pender recearia perder o amor da noiva, que ele não ama, e dos sogros, que ele ama ainda menos?O fato é que somos complacentes com as expectativas dos outros (que amamos ou não) à condição que elas nos convidem a desistir de nosso desejo. É isso mesmo, a frase que precede não saiu errada: adoramos nos conformar (ou nos resignar) às expectativas que mais nos afastam de nossos sonhos. Aparentemente, preferimos ser o romancista potencial que foi impedido de mostrar seu talento a ser o romancista que tentou e revelou ao mundo que não tinha talento. Desistindo de nossos sonhos, evitamos fracassar nos projetos que mais nos importam.Em suma, da próxima vez que você se queixar de que seu casal afasta você de seus sonhos, lembre-se: foi você quem o escolheu.E mais um conselho: se você encontrar alguém disposto a caminhar na chuva do seu lado, não fuja; molhe-se.
ccalligari@uol.com.br 

@ccalligaris

Rios sem discurso - Análise Semiótica

Rios sem discurso

Quando um rio corta, corta-se de vez
o discurso-rio de água que ele fazia;
cortado, a água se quebra em pedaços, 
em poços de água, em água paralítica.
Em situação de poço, a água equivale
a uma palavra em situação dicionária:
isolada, estanque no poço dela mesma, 
e porque assim estanque, estancada; 
e mais: porque assim estancada, muda
e muda porque com nenhuma comunica,
porque cortou-se a sintaxe desse rio, 
o fio de água por que ele discorria.
O curso de um rio, seu discurso-rio,
chega raramente a se reatar de vez; 
um rio precisa de muito fio de água
para refazer o fio antigo que o fez.
Salvo a grandiloqüência de uma cheia
lhe impondo interina outra linguagem, 
um rio precisa de muita água em fios
para que todos os poços se enfrasem: 
se reatando, de um para outro poço,
em frases curtas, então frase e frase, 
até a sentença-rio do discurso único 
em que se tem voz a seca ele combate.

(MELO NETO, João Cabral de. In: A educação pela pedra.Rio de Janeiro: José Olympio. 1979, p.26.)
O discurso mostra sua actorização formada por uma palavra que é retirada de um texto e o que pode ocorrer com o leitor para tentar reaver o sentido do texto, isto fica claro através da palavra discurso-rio. O poeta compara o rio a um texto; a palavra seria o fio de água que retirada do texto não possui sentido, como a poça de água ela fica incomunicável com as outras poças, equivale a uma palavra dentro de um dicionário. No texto tudo é relação, as palavras só possuem valor quando estão ligadas através do contexto, só assim passam a existir.
A análise da estrutura narrativa, deste poema, mostra um manipulador pressuposto: o escritor. Levando em consideração que não é possível nenhum texto se auto-escrever, já que é um ser inanimado e criação do autor, este nada pode fazer quando seu criador “corta” uma palavra de seu todo; o texto não sente a falta deste “fio d’água” para recompô-lo. Esta palavra, como já foi dito, está “muda” e portanto não pode constituir por si só um todo de sentidos, e este texto “mutilado”.
Antes de continuarmos vale uma ressalva, todo o poema é construído no nível do projeto, ou seja, o escritor (elemento manipulador) não executa a ação, apenas supõe o que pode ocorrer; ele sabe e pode fazer, mas não põe em prática, planeja.
Sem uma palavra no texto, o leitor (sujeito manipulado) pode recorrer a duas estratégias para prosseguir sua leitura:
A primeira é que o leitor pode usufruir seu conhecimento enciclopédico, realizando inferências no texto predestinado, completando, assim, o espaço deixado para retomar o sentido original;
A segunda é que o leitor vai impor um novo significado ao texto para poder prosseguir, reatando todas as lacunas reconstruindo o contexto.

Como já dissemos, a pressuposição é uma característica deste poema, pois a competência é pressuposta através das alternativas que os leitores possuem, como “o corte” no rio-discurso não se realiza realmente, mas é um acontecimento hipotético este é um conhecimento lingüísticos no uso da conjunção caso (presente no 17º verso) e se(presente no 24º verso).
Não existe sanção clara já que os fatos são estipulados pelo manipulador o que não deixa clara a ocorrência deles, contudo pode vir a ser positiva se os leitores conseguirem realizar uma das duas opções determinadas pelo autor eles poderão estar em estado de euforia com o objeto valor (o texto). As duas hipóteses são construídas sobre enunciados de estado; os leitores precisam estar de porte de objetos respectivamente “vários fios de água” e “a grandiloqüência de uma cheia” para alcançarem outro objeto, este sim o objeto valor(texto).

O poema possui predominância de elementos temáticos já que encontramos muitos elementos abstratos e é através deles que fazemos o seguinte encadeamento de temas:

a) uma palavra fora do contexto não possui valia;
b) um texto sem uma palavra conta a ser texto;
c) o autor nem sempre escreve para o leitor;
d) o leitor precisa ter competência para ler um texto;
e) Com essa competência o leitor atinge o conhecimento.

TEMA: O texto precisa não apenas das habilidades do escritor para prosseguir seu percurso, mas depende do leitor também.
Encontram-se no poema alguns grupos lexicais:

No primeiro dele encontramos palavras que pertencem ao universo da língua portuguesa como “discurso”, “dicionária”, “sintaxe”, “linguagem”, “enfrasem”, “frases”, “sentença”; isto mostra o domínio que o poeta possui da própria língua, principalmente de suas instâncias normativas.
No segundo, temos, elementos do mundo natural como: “rio”, “água”, “poço”, “fio de água”, “seca”, estas palavras se utilizam para realizar uma analogia, o poeta tem um caráter didático como se desejasse se aproximar do leitor.
No terceiro, encontramos verbos como “cortar”, “quebrar”, “estancar”, “reatar”, “refazer”, “enfrazar”, que não são características do mundo natural, mas do mundo das letras, o que mostra que o texto está construído com uma malha conotativa. O poeta não está falando do rio, mas sim da composição de um texto.
João Cabral de Melo Neto é conhecido como “arquiteto das palavras”, os verbos empregados no poema lembram trabalhos manuais dificultosos e árduos, ou seja, o poeta enxerga o ato de escrever um poema como um processo de construção e por ser difícil não sabe realmente se o leitor pode alcançar seu todo de significados. Cabral explica que ao cortar uma palavra do texto o leitor precisa, seguir adiante para alcançar o entendimento, reatar este vazio no texto, para isso deve contar apenas com suas habilidades lingüísticas e cognitivas para fazê-lo. Ou vai recorrerá a seu banco semântico, e colocar outra palavra no lugar da que está faltando ou esperar que o contexto, daí o termo, “outra linguagem”, dê-lhe a compreensão de que tanto precisa.


CRITICA E SUGESTÕES: l.antoniobn@gmail.com

MARIZA- AS MENINAS DOS MEUS OLHOS

REVISÃO TEXTUAL E ORIENTAÇÃO METODOLÓGICA

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