Certa noite, minha filha mais nova, Larissa, chegou da
casa de sua avô com um avião de papel. Aqueles feitos de folha A4. Estava
encantada com o aviãozinho que sua prima havia lhe construído.
Fiquei pensativo. Como as crianças ficam felizes com tão
pouco: com a simplicidade do presente, com a descoberta de que aquele
aviãozinho pode voar.
Em um momento em que estamos mergulhados numa pandemia
fatal, com milhões de pessoas perdendo seus empregos, com uma polarização
política e ideológica que em nada colabora para sairmos do buraco, ver uma
criança feliz com tão pouco é de nos remeter a reflexões.
Primeiro, o adulto perde sua sensibilidade ao longo de
sua caminhada em sociedade. Socializando, parece se embrutecer. As frustrações nos
tornam insensíveis, tiram nossa visão e concepção de que o mundo é um lugar bom
para se viver, e pode se tornar melhor.
Segundo, parece que nos esforçamos para esse quadro
piorar. Somos egoístas, queremos tudo, mas só podemos ter o que está à mão.
Dessa forma, o outro, nosso adversário no campo das artes, cultura, política,
música ou porque, simplesmente, pensa diferente, será o alvo dessas frustrações. As redes
sociais se tornaram o campo de descarga do ódio, da insensibilidade dos amargos
da vida.
Lembro-me da sábia frase do personagem Riobaldo, “o que
demasia na gente é a força feia do sofrimento, própria, não é a qualidade do
sofrente”. Ou seja, o sofrimento alheio é que deveria nos sensibilizar, nem
tanto o sofredor. As redes sociais conseguiram a um só golpe atacar o
indivíduo, sua personalidade, o ser em si, e ao mesmo tempo imputar-lhe um
sofrimento que de outra forma não lhe ocorreria.
Boa é a solução da Balada do Louco, “Dizem que sou louco
por pensar assim/Se eu sou muito louco por eu ser feliz/Mas louco é quem me diz/E
não é feliz, não é feliz”.
Vamos nos permitir a felicidade de uma criança, ser feliz
com o que temos, com o que somos. Vamos nos permitir olhar o outro com olhos de
paz, de cooperação. Se não for assim, não sairemos do buraco em que nos
enfiamos por causa de posições políticas extremadas com visões distorcidas da
nossa própria sociedade e sua formação (alheias a todo um contexto histórico e
internacional).
Queremos apenas ser vistos, e nos tornamos cegos para o outro (do filme Homunculus, disponível na plataforma Netflix, com adaptações).
Por
Roner Gama