De fato, qualquer político que ouse decretar o fim desse programa terá que sofrer as consequências dessa decisão. A primeira e a mais danosa seria justamente a sua não eleição e condenação política por parte de milhões de brasileiros que vivem sob o abrigo desse programa e não têm nem pressa nem vontade de abandoná-lo tão cedo.
Como não poderia deixar de ser, vem aí o novo Bolsa Família.
Dessa vez, com a cara e a digital do governo Bolsonaro. A fórmula repete a
receita que vem sendo feita desde a criação do programa social. A cada novo
governo, o programa ganha os matizes ideológicos juntamente com o conteúdo
programático e político do novo ocupante do Executivo.
Apenas por essa faceta, é possível afirmar, entre outras
coisas, que o programa social, concebido no governo Fernando Henrique como
Bolsa Escola e que visava garantir, por meio de uma renda mínima, que crianças
e adolescentes não abandonassem os estudos e a escola, fosse sendo mudado, para
atender a orientação ideológica de cada governante e não para atender a
um problema específico que determinou sua criação.
No governo Lula, que assumiu o poder sem sequer um programa
de governo, depois de várias tentativas erráticas no campo social, resolveu
absorver o programa e amarrá-los a outros, criando o Bolsa Família,
mais abrangente e, por isso mesmo, mais interessante aos propósitos daquele
governo. Esse foi, sem dúvida, o grande achado do primeiro mandato de Lula e
talvez seu passaporte para mais quatro anos, apesar do megaescândalo do
Mensalão. O mesmo que fizeram com a CPMF que, inicialmente, seria para socorrer
, por tempo, limitado, o caixa do Tesouro, a extensão desse programa, criticado
por uns e louvado por outros, foi sendo reeditado para servir de tapa-buraco
dos cofres públicos. O mesmo parece acontecer com o antigo Bolsa Escola.
Chamado, em diversas ocasiões, de programa populista pelo próprio Lula, foi a
tábua de salvação de seu governo e da sua sucessora.
Com Dilma instalada no Palácio do Planalto, o Bolsa Família
foi ampliado até as raias da irresponsabilidade, desde que rendesse dividendos
políticos ao grupo no governo. Como ocorre com todo o programa federal, num
país continental e onde a fiscalização e a probidade administrativa são sempre
exceções às regras, o Bolsa Família se transformou num poço sem fundo, sorvedor
de recursos dos pagadores de impostos e um exemplo acabado de irregularidade de
todo o tipo, além de ser um cheque em branco entregue nas mãos de maus
políticos, para eles arregimentarem eleitores com base em critérios subjetivos
e utilitaristas.
Em editorial passado, foram listados alguns exemplos de mau
uso desse programa em todo o país, inclusive, apontando caos em que o dono da
cachaçaria da esquina ficava, ele mesmo, com o cartão Bolsa Família de alguns
de seus frequentes fregueses, como garantia contra calotes. É óbvio que em meio
a inúmeras distorções, esse é ainda considerado um dos maiores programas
sociais de distribuição de renda do todo o planeta e, por isso mesmo, não pode
ser desprezado por nenhum político, principalmente por qualquer candidato e
pelos presidentes da República.
De fato, qualquer político que ouse decretar o fim desse
programa terá que sofrer as consequências dessa decisão. A primeira e a mais
danosa seria justamente a sua não eleição e condenação política por parte de
milhões de brasileiros que vivem sob o abrigo desse programa e não têm nem
pressa nem vontade de abandoná-lo tão cedo.
Com Bolsonaro, o programa poderá mudar de nome, passando a
ser chamado de Renda Brasil. Será, estrategicamente, ampliado também, com a
inclusão de vários benefícios, como o 13º salário e outros avanços, como um
aumento significativo no orçamento do programa. Dessa maneira, o presidente
pretende atender a mais brasileiros, com vistas a criar também um marco social
e próprio ao atual governo, atendendo e atingindo, ainda mais, as regiões mais
pobres do país, como o Nordeste, onde não tem ainda uma base bem assentada e
fiel.
Fica, dessa maneira, confirmada a tese de que esse é um
programa que veio para ficar, não apenas por sua abrangência e necessidade
social, mas, sobretudo por sua importância estratégica e política para esse e
qualquer outro governo que venha.
*Publicado no Correio Braziliense de 11 de janeiro de 2020, caderno Opinião, p.9 (Circe Cunha)