Esse
tal de presidencialismo de coalizão, termo trazido há mais de 30 anos à
realidade do Brasil com a obra, de mesmo
nome, escrita pelo sociólogo Sérgio
Abranches, vai, a cada governo e a cada legislatura que chega, adquirindo uma
versão própria, porém,sempre mais nefasta que a anterior, tornando débil nossa
democracia, graça a um processo indecente de apropriação do Estado pelas elites
políticas.
Em
toda e qualquer lista dos principais problemas nacionais que seja elaborada,
contendo as causas principais de nossas seguidas crises institucionais, deverá
constar o presidencialismo de coalizão. E por uma razão simples e que remonta ao
período da redemocratização do país: o açambarcamento da máquina do Estado por
parte das lideranças dos principais partidos, em nome de algo vago como apoio,
é , em suma o principal objetivo de nove em cada 10 legendas partidárias com
assento no Congresso.
Não há,
como em outros países, um ideário de Estado a ser implementado ou discutido em
nome da nação, mas uma ideia precisa e argentária das protencialidades práticas
que cada apoio imediato representa e pode render. Fosse visto ou interpretado comme it faut, pela letra fria da lei,
sob a tenência de juízes realmente probos, o mecanismo perverso do
presidencialismo de coalizão seria facilmente considerado em nossa legislação
um crime capaz de perfazer todo o Código Penal, incluindo, além do próprio e de
A a Z, os códigos civil e de Defesa do Consumidor, resvalando, ainda para a antiga
Lei de Segurança Nacional, já revogada.
Um
bom magistrado, capaz de enxergar no mecanismo do presidencialismo de coalizão um
atentado múltiplo à democracia, ao Estado e à nação, facilmente encontraria
respaldo legal para condenar esses meliantes políticos, que fazem de representação um meio para enriquecimento
ilícito a penas de reclusão superiores a um século.
O
abalo reiterado à harmonia e ao equilíbrio institucional vindo por esse
mecanismo que, nas últimas décadas, tem trazido prejuízos incalculáveis ao país
e à sociedade, e sobrevive não apenas pela desfaçatez como é encarado pelas
elites políticas, com beneplácito do judiciário, mas, sobretudo, porque é
azeitado , centavo por centavo , por uma
das mais altas cargas tributárias do planeta. É esse o combustível principal
que permite a perpetuação desse modelo
gerador de corrupção, clientelismo, politização judicial e de seu oposto,
representado pela judicialização da política.
A
exacerbação dessa mecânica, como temos assistido com as exigências de fundos
astronômicos partidários e eleitorais e
com as emendas do relator, dentro do chamado RP9 ou emendas secretas, dá um tom
desse que é o mais daninho dos modelos, responsável pela dilapidação do Estado
e de sua democracia, com conseqüências diretas na inflação, no desemprego , na
fome , na violência, na mortandade da população sem atendimento médico e em uma
infinidade de outras pragas a correr o país pelas beiradas.
Vale
aqui o que foi dito com relação às saúvas: ou o Brasil, no caso os brasileiros,
acaba com o presidencialismo de coalização, ou ele acaba com o Brasil.
Publicado no CB de 27 de
novembro de 2021, Caderno Opinião, coluna “Visto, lido e ouvido”, p.11. Por
Circe Cunha.
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