Todos os anos
o Dicionário Oxford, editado pela Universidade Britânica, elege a palavra que
foi mais usada naquele período. Em 2015, o dicionário não escolheu uma palavra,
mas o emoji de uma carinha chorando de rir, que foi o mais usado nas redes
sociais. Em 2016, escolheu o termo pós-verdade, eleito em razão da sua
prevalência no contexto de mentiras e boatos
que antecederam tanto o referendum
do Brexit com das eleições presidenciais norte-americanas. O dicionário
definiu-o como “relacionado ou denotando circunstâncias nas quais os fatos
objetivos são menos influentes na formação da opinião pública do que o apelo às
emoções e às crenças pessoais”.
Ou seja, não
é propriamente uma mentira, digamos, o que está contribuindo para formar a
opinião pública. É indiferença com a verdade: um momento em que as notícias são
tantas e de tão variadas fontes que ninguém mais dá bola se elas têm fundamento
ou não. Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump é considerado
personificação da pós-verdade. Diz as coisas na mídia sem a menor cerimônia e
sem se preocupar em justificar nada. Quem quiser que acredite, ou não. Ele não
se importa. Ele constrói as notícias.
A pós-verdade
não é fenômeno novo. A fabricação dos fatos e as mentiras políticas são tão
velhas quanto o tempo. Muito antes que o mundo estivesse ligado em rede, elas
sempre foram utilizadas eficazmente como instrumento de persuasão por uma razão
bem simplória: os boatos atendem às crenças pessoais. Sua veracidade importa
pouco quando quem os ouve já tem entendimento ou preferências consolidados. Eles
simplesmente fazem eco àquilo que o ouvinte ou leitor de certo modo já
acredita. O fenômeno seguinte é comparado a uma bola de neve ―a proliferação da opinião pública
formada sem nenhuma base se transforma em uma notícia.
Aí reside o
perigo da pós-verdade: a sua vinculação com a manipulação política, com a
construção paulatina de convicções no corpo social, de modo a criar ambiente
propício para ditaduras de direita ou de esquerda. “A propaganda política busca
imbuir o povo, como um todo, com uma doutrina... A propaganda para o público em
geral funciona a partir do ponto de vista de uma ideia, e o prepara para quando
da vitória daquela opinião”. Para quem não se lembra da autoria desse luminoso
parágrafo, ele foi escrito por Adolfo Hitler em 1926, em seu livro Mein Kampf, no qual defendia o uso de
propaganda política para disseminar seu ideal de Nacionalismo Socialismo, que
compreendia o racismo, o antissemitismo e o antibolchevismo.
Estamos
vivendo na era da pós-verdade ou do pós-fato, em uma cultura política na qual o
debate é definido largamente pelos apelos à emoção e desconectados da
autenticidade das informações. Uma cultura que parece evitar deliberadamente o
seu embasamento em fatos sólidos. Outra técnica utilizada é a de pincelar os
dados em um contexto e chegar a qualquer conclusão que se queira. Qualquer
delas tem o mesmo efeito de criar confusão e deixar as pessoas em duvida sobre
tudo, inclusive sobre a veracidade das notícias reais.
Nesta época
de pós-verdade, os fatos se tornaram secundários, senão totalmente
irrelevantes. Convenhamos que, nesse estado de coisas, o exercício do senso
crítico do leitor é bastante dificultado, bombardeado que se encontra por uma
multiplicidade de informações dissonantes. A guerra pelo furo jornalístico
entre o órgãos de imprensa tem levado à publicação de notícias, causando no
leitor uma sensação de casa da mãe joana, que contribui par ao seu alheamento.
Em todo o
mundo, essa desanimadora diferença entre a verdade e o mito está espalhando
emoções deploráveis em direção a uma politica reacionária como, entre outros,
os sentimentos anti-imigração e anti-islâmicos. No Brasil, além disso,
informações desencontradas sobre a corrupção política, atreladas à crise
institucional pela qual o país está passando têm deixado de lado questões
fundamentais para o seu desenvolvimento econômico e social, tais como a
necessária reforma política, tributária, previdenciária e trabalhista, para
ficar nas mais visíveis. A questão aberta agora é como a convivência com essa
pós-verdade funcionará para a administração pública.
De qualquer
modo, a verdade, em si, já é uma palavra complexa. Com o prefixo pós acrescentado,
a complexidade piorou. Em verdade, fazendo um trocadilho, a verdade pode ter
muitas formas. O político mineiro José Maria Alkimin, famoso por suas tiradas
políticas inteligentes e espirituosas, certa vez disse que o importante não eram
os fatos, mas a sua versão. Os fatos, segundo ele, interessavam à história; aos
políticos apenas as versões seriam importantes porque produziam efeitos
emocionais na consciência política. O folclore diz que Alkimin foi confrontado
por Gustavo Capanema sobre a autoria da frase: “José Maria, você sabe que quem
disse isso primeiro fui eu, não você!”Ao que Alkimin imediatamente rebateu: “É
verdade, meu amigo! Isso comprova que você tinha razão”.
*Mônica Sifuentes é
Desembargadora Federal. Publicado no Correio Braziliense de 27 de maio de 2017.
Caderno Opinião, p. 13
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