FUTURO A DISTÂNCIA. Por Arnaldo Niskier*




A modalidade da educação a distância não é nova. Há registros do século passado, mostrando sua aplicação em países desenvolvidos. Aqui no Brasil, é que as coisas sempre foram lentas. Ainda hoje se questiona o seu emprego, por uma justificativa altamente discutível: o medo da pilantragem. A oficialização da EAD enseja dois tipos de receio: a) a falta de cuidado no credenciamento das instituições; b) o facilitário na concessão de diplomas. São preocupações que não devem inibir o processo. Não podemos admitir que sejamos definitivamente incapazes de levar a sério esse tipo de experiência pedagógica ou qualquer outro.
Escola portátil, conteúdo personalizados, aulas virtuais: o futuro da (nova) educação está bem delineado. Para fazer a tecnologia melhorar o ensino, falta viabilizar as velhas questões trazidas pelo passado, como infraestrutura, formação de professores e verba. A educação a distância cresceu mais que a presencial na última década. As tendências para o futuro incluem um modelo híbrido de aprendizado: parte convencional atuando junto com a parte on-line, praticados nos cursos EAD.
A educação se tornará onipresente. Boa parte das escolas vai caber nos dispositivos móveis, tornando possível respeitar o ritmo de aprendizagem de cada aluno. Caberá ao professor de amanhã o papel de curador, escolhendo os conteúdos, os meios e fazendo a conexão entre eles. Os problemas para a incorporação da tecnologia pela escola brasileira são as falhas na infraestrutura e na formação docente.
Um dos tradicionais obstáculos à realização dos programas pensados é a escassez de recursos financiados. Há um discurso na praça afirmando que não é esse o maior dos nossos problemas. O que pesa no processo é a falta de qualidade operacional. Cita-se com maior exemplo, no caso do magistério, o fato comprovado de que melhores salários não são determinantes de uma grande mudança. Se os salários fossem dobrados, nem por isso a qualidade seria estabelecida de imediato. Isso depende de uma série de fatores, alguns até bastante complexos.
Hoje, os investimentos na função educação alcançam 6,3% do Produto Interno Bruto. Deveriam chegar a 10% em escala nos anos seguintes. São recursos dignos de países industrializados, mas o que nos impacienta é que não se sente um adequado planejamento sobre o que vem por aí. Qual o milagre que se espera para acabar com os 13 milhões de analfabetos adultos hoje existentes? O que fazer para que a educação infantil deixe de ser prioritária só nos discursos e passem a existir as creches, tantas vezes prometidas ? O ritmo de trabalho do PAC não nos deixa muito otimistas.
Enquanto o número de matriculados em cursos presenciais de formação de professores no Brasil se manteve estável nos últimos cinco anos, as matrículas nos cursos a distância cresceram em ritmo acelerado. Um em cada três alunos de graduação na área de educação faz o curso remoto, de acordo com dados do governo. Em pedagogia, especificamente, a taxa é maior: metade dos estudantes está matriculada em cursos a distância. As informações são do último censo do Ensino Superior disponível, de 2014.A procura por cursos de formação de docente a distância foi estimulada por lei. Há 20 anos , a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educacão) tornou obrigatória a formação em ensino superior para professores da educação básica. Como muitos docentes já davam aula sem diploma universitário, o curso remoto acabou sendo uma boa opção  ̶   a maioria dos alunos de curso à distância no Brasil trabalha e estuda ao mesmo tempo.
Na verdade, a educação a distância ganhou força no Brasil, justamente por causa da necessidade de formação dos professores. Com o tempo, os cursos a distância foram se expandindo para além das licenciaturas. O número de matriculas em cursos na área de educação à distância cresceu 26,71% nos últimos cinco anos. Já os presenciais de formação de docentes tiveram aumento de 0,12%.

Correio Braziliense, 22 de agosto de 2016.
*Arnaldo Niskier, membro da Academia Brasileira de Letras, da Academia de Letras de Brasília e presidente do Ciee/RJ.

DIEGESE DE “AUTOPSIA”. Por Roner S Gama*




DIEGESE DE “AUTOPSIA”.

A peça teatral “Autópsia”, elaborada “a partir da adaptação de cinco emblemáticas obras do dramaturgo brasileiro Plínio Marcos”, como diz o folheto publicitário, que se desdobra em dois atos, expõe ao público a (s) tragédia (s) urbana (s) de nosso cotidiano. Merece destaque o posicionamento no palco dos atores. Diferente de outras peças, os atores estão sempre no palco, movimentam-se no palco e fazem parte, inclusive, da cenografia, mas sem desviar a atenção do público dos desdobramentos encenados. Interessante que para cada cena, há a movimentação, sincronizada, de maneira a permitir que um dos atores vá até certo canto do palco e manipule a iluminação (descida de algumas lâmpadas sobre o cenário) , como se para cada trama houvesse uma “luz” própria.
Logo de início, há o impacto com atores nus, uns jovens, outros com idade já bem avançada, o que demonstra uma certa preocupação com a  heteregoneidade, tanto no ato 1, quanto no 2, essa é abertura da peça.
Toda a encenação tem como fundamentação a tragédia das vidas de indivíduos dos estratos inferiores da sociedade: a prostituta, a cafetina, o desempregado, a mãe solteira, o drogado. O folhetim nos traz a mensagem de que “as obras problematizam, a partir de paisagens humanas desoladoras, a existência persistente de seres humanos que lutam pela sua sobrevivência”, como se todo cidadão, pobre ou rico, negro ou branco, não lutasse cotidianamente por sua sobrevivência e bem-estar. A meu ver tornou-se lugar-comum referendar certos tipos sociais como  “detentores” exclusivos de uma labuta inescusável pela sobrevivência. Em certo trecho da encenação,  a personagem, “mãe solteira”, solta a seguinte frase em discussão com seu filho (morador de rua criado por uma prostituta) “ sua luta não é maior que a minha”, será que se aplica apenas aos substratos sociais retratados por “Autópsia”? E o que dizer das lutas pessoais, diárias e anônimas do cidadão comum?
Autópsia apresenta, sim, um fundo ideológico (perceptível no apelo sentimental e vitimizador que se propõe) com forte enfoque às chamadas “minorias”. Tanto é assim que ao final há um “NÃO” à pedofilia, ao feminicídio, racismo, o preconceito de gênero, e, ao fim do segundo ato, um "LUTO PELO FIM DO MEC,  entre outros temas polêmicos, e necessitados de uma discussão aprofundada e urgente.
Autópsia é um procedimento médico que desnuda o corpo humano por dentro expondo o seu interior. Se a peça teatral, com o mesmo nome, pretendeu desnudar nossa sociedade, o fez de maneira precária. O cidadão comum, hodiernamente, se choca, se escandaliza, se revolta, chora e se angustia com toda sorte de mazelas e tragédias decorrentes das mais variadas matizes, sejam elas oriundas da omissão do poder público, sejam das relações sociais que , em determinados momentos, se apresentam conflitantes em diversos graus. Para Durkheim “é a sociedade que determina o individuo”,ou seja, não se está aqui defendendo a tese da “predestinação”, mas que a representação daquilo que se propõe em "Autópisa” se dá através das relações sempre conflitadas e tensionadas, dentro da sociedade. Os “náufragos da existência” , figuras presentes na sociedade brasileira e, de certa forma, romantizadas pela literatura,  existiram e persistirão, são o resultado mais perverso dessa conflitação intensa, desigual e desproporcional.
Se pudéssemos dar uma nota à bem intencionada peça teatral, em cartaz no Centro Cultural da Caixa, ficaria na mediana (com muita boa vontade). Talvez se os diálogos melhorassem, são , digamos, precários e enfadonhos, salvo um ou outro trecho, salvaria o repertório já tão repisado, revisado, visto, lido e ouvido em tela, teatro, livros e artigos.Faltou, talvez, uma pitada de criatividade.


*Roner Salvador Gama- Licenciado em Letras Português/Inglês, pós-graduado em Revisão Textual, Docência do Ensino Superior, professor de Língua Portuguesa, Metodologia Científica , Revisor e Orientador. 
Contatos: (61) 9655 6072; (61) 8157 5076.

APOSTILAS ESPECÍFICAS DA LÍNGUA PORTUGUESA.


1. NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO: teoria e exercícios;
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Valor R$ 30,00 cada.
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Prazo de entrega: 48 horas;
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Um roteiro municipal brasileiro (I). Por Márcio Cotrim.




Enorme Brasil, heterogêneo Brasil, Primeiro Mundo do Sul, quinto no interior do Piauí. Cinco mil municípios de nomes que ora despertam encantamento, ora hilaridade. E até de lugares estrangeiros- você sabia que no Maranhão há uma cidade chamada Nova Iorque, e foi lá que nasceu Aldemir Santana, presidente da Federação do Comércio do DF?
Hoje tratei das cidades de nomes curiosos, numa surpreendente viagem por estes brasis. Se você duvidar do que vai ler agora, consulte o Anuário Estatístico do IBGE e confira. Vamos partir.
Selecionamos sonoridades cavas, mais soturnas. Manacapuru, (AM); Cururupu, (MA), Mulungu, (CE), Jucurutu, (RN), Tuntum, (MA), Tururu, (CE), Jucurucu, (BA), Iuiú, (BA), e Tacuru, (MS), até parece acachapante vaia, não é mesmo?
Agora, estridências mais agudas. Piripiri, (PI), Piuí, (MG), ah, a Rede Mineira de Viação, a famosa RMV (“Ruins Mas Vai”), apitando pelos campos das Alterosas!- Paraí (RS), Naviraí, (MS), Caracacaí, (RR), e Heitoraí, (GO), aí, hein Heitor!
A explosão oxítona e alegre de Oriximiná, (PA), Uauá, (BA); Quatingá, (PR); Quipapá, (PE), Cabrobó, (PE); Bodocó, (PE), Orocó, (PE), e Chorrochó, (BA).
Mas deixemos de lado os nomes de som curioso, vamos visitar lugares realmente estranhos. Recomendando que você imagine como se chama quem nasce numa cidade dessas.
Quem nasce em Esperantinópolis (MA), como deve ser tratado? Talvez de esperantinopolitense, não é? E quem nasce em Canhotinho, (PE) é canhoto ou tem que passar a sê-lo? E o natural de Catingueira, na Paraíba, será que fede mal? E quem viu a luz pela primeira vez em Itaquaquecetuba, (SP) ? O dilema é saber se esse justo cidadão é itaquaquecentubense ou itaquaquecetubano, oh, dúvida cruel!
Também vale a pena acasalar os nomes de alguns municípios pátrios. Afinal, não é impossível que uma doce e virginal donzela paraense nascida em Curralinho se apaixone por um guapo e impetuoso mancebo de Ponta Grossa, no Paraná. Trabalho e dor de cabeça para os ginecologistas locais...
Ou o rapaz nascido em Lagoa dos Gatos, (PE), que namora a menina de Arroio dos Ratos, (RS). Um encontro detestável, marcado por muitos arranhões e vida curta...
E vai por aí a amena viagem pelo fascinante pindorama nacional. No caminho, encontramos muitos olhos d’ água e interessantes nomes compostos como Oliveira dos Batistas, (BA); Contendas de Sincorá, (BA), Timbaúba dos Batistas, (RN), Rio Preto da Eva, (AM), Minador do Negrão, (AL), Coité do Nóia, (AL), Brotas de Macaúbas, (BA), Brochier do Maratá, (RS), Santopólis dos Aguapeí, (SP), Axixá do Tocantins, (TO), quanta surpresa ao longo da jornada!
Mas em nosso diário anotamos também nomes absurdos. Douradoquara, (MG), Catas Altas da Noruega, (MG), Brazabrantes, (GO), Trombudo Central, (SC), Bossoroca, (RS), Zé Doca, (MA)  Urucurituba, (AM), que tal?
A rica fauna brasileira aparece em Peixe-Boi, (PA), Tartarugalzinho, (MA), Carrapateira, (PB), Jacaré dos Homens, (AL), Marimbondo, (AL), Papagaios, (MG) e Anta Gorda, (RS), dentre tantos no gênero.
Outra divertida leva reúne novas passagens: Passagem Franca, (MA), Passa e Fica, (RN), Passa bem, (MG), Passa Quatro, (MG)- e Passa Vinte, (MG)! Como passa gente nesse País!
E por falar em passar, muito cuidado agora. Você vai conhecer Sombrio, (SC), Cruz das Almas, (BA), Tremedal, (BA), Quartel Geral, (MG), Barra dos Bugres, (MT), Não-me-Toque, (RS) e Bofete, (SP)! Abra o ollho!
Outras cidades há de nomes aparentemente sem explicação. Em alguns, porém, até que dá para entender: Braganey, no Paraná, é com certeza uma homenagem ao ex-governador Ney Braga. E você sabia que existe uma formiga chamada uana?Pois é, no velho Mato Grosso havia um lugar em que ela abundava. Sabe como se chama hoje essa cidade? Literalmente Aquidauana, altiva e feliz no Centro-Oeste.
A propósito, existe uma cidade chamada Feliz, no Rio Grande do Sul, outra chamada Deserto, em Alagoas, mas a mais interessante é aquela que, digamos, melhor deve acolher as grávidas deste País: Espera Feliz, em Minas Gerais. Tudo a ver com a tradicional hospitalidade daquela plagas...
E que dizer da estranha Montevidéu, em Goiás, de Amaral Ferrador, (RS), Pântano Grande, (RS), Palma Sola, (PR), Jaboticatubas, (MG), Alpercata, (MG), e as incríveis Nacip Raydan, (MG) e Sud Mennucci, (SP)?
O trabalho deve ser árduo em Faina, (GO), e a riqueza certamente marca a existência de lugares como Fartura, (SP), Áurea, (RS), Pastos Bons, (MA), Cascalho Rico, (MG), e Fortuna de Minas, (MG). Em compensação, que pobreza hídrica em Biquinhas, (MG); e que fedor em Borrazópolis, (PR).
Passamos por Lagoa da Confusão, (TO), que, aliás, nada tem de confusa. Depois cruzamos Rio Sono, (TO), Panelas, (PE); Luminárias, (MG), Rodelas, (BA), Bazaê, (BA), Ibiassucê, (BA), e Calambau, (MG), berço de queridos amigos de Brasília.
De olhos ainda arregalados concluímos a primeira parte da nossa jornada tupiniquim. Semana que vem vamos deliciar-nos com os nomes bonitos, apenas bonitos e, finalmente, vamos viajar ao exterior sem sair do País.
Grande Brasil, curiosos Brasil!
Correio Braziliense,  03 de outubro de 2015.  

REVISÃO E ACOMPANHAMENTO METODOLÓGICO.

REVISOR DE TEXTOS e ORIENTAÇÃO METODOLÓGICA

REVISÃO: Revisão de trabalhos acadêmicos, livros, trabalhos publicitários, entre outros. 
ORIENTAÇÃO METODOLÓGICA: orientação para elaboração de trabalho de conclusão de curso.

Contato: orientadorerevisor@gmail.com; verificacaoerevisao@gmail.com;
( 61)  81575076; (61) 9655 6072


TEXTO PARA REFLEXÃO: "A ARTE DE MORRER".

A ARTE DE MORRER.

“Mas como se ririam então, e como pasmariam de nós aqueles homens imortais! Como se ririam das nossas loucuras, como pasmariam da nossa cegueira, vendo-nos tão ocupados, tão solícitos, tão desvelados pela nossa vidazinha de dois dias, e tão esquecidos e descuidados da morte, como se fôramos tão imortais como eles? Eles sem dor, nem enfermidade; nós enfermos, e gemendo; eles vivendo sempre; nós morrendo; eles não sabendo o nome à sepultura; nós enterrando uns aos outros. Eles gozando o mundo em paz; e nós fazendo demandas e guerras pelo que não havemos de gozar. Homenzinhos miseráveis (haviam de dizer), homenzinhos miseráveis, loucos, insensatos, não vedes que sois mortais? Não vedes que haveis de acabar amanhã? Não vedes que vos hão-de meter debaixo de uma sepultura, e que de tudo quanto andais afanando e adquirindo, não haveis de lograr mais que seis pés de terra! Que doidice, e que cegueira é logo a vossa? Não sendo como nós, quereis viver como nós?
Assim é: Morimur ut mortales: vivimus ut immortales [Morremos como mortais: vivemos como imortais]; morremos como mortais que somos, e vivemos como se fôramos imortais.
(...)
Ora, senhores, já que somos cristãos, já que sabemos que havemos de morrer, e que somos imortais; saibamos usar da morte, e da imortalidade. Tratemos desta vida como mortais, e da outra como imortais.”

Pe. Antônio Vieira. A Arte de Morrer. 2º sermão da 4ª feira de Cinza. Ano de 1673,  séc. XVII.

Outra visão sobre Ninfomaníaca.

Para a sociedade, “vício em sexo” é doença. Para Lars Von Trier, apenas mais uma das verdades inconvenientes que a burguesia não quer escutar, para não se sentir doente.


Por Bruno Lorenzatto*
Joe, a personagem principal de Ninfomaníaca, não é louca ou alienada, mas seu comportamento ou modo de vida é patologizado pela psiquiatria. Sua doença? O sexo compulsivo. Numa época em que a norma ou o normal significam nada menos que a produção e multiplicação das patologizações, das classificações intermináveis dos modos de vida como doenças possíveis, Joe é a resistência da vida que não se deixa capturar pelo discurso médico-psiquiátrico, isto é, em certo sentido, o discurso moral. De maneira que seus modos de subjetivação (isto é, como Joe se constitui como sujeito moral, racional, sexual etc no interior da sociedade) questionam o padrão, a norma, a pretensa igualdade entre os seres: a concretude da existência contra a abstração metafísica, tal é a luta que está em jogo em Ninfomaníaca.
Talvez seja preciso lembrar de Nietzsche — que subverte a dicotomia saúde x doença. Para a sociedade o “vício em sexo” é uma doença. Para Lars Von Trier é apenas mais uma das verdades inconvenientes que a burguesia não quer escutar (para não se sentir ela mesma doente).
Joe está além da moral porque não se preocupa em seguir as prescrições mais fundamentais impostas pelo código moral do Ocidente. Duplo crime, dupla marginalidade: ser mulher e ser “viciada” em sexo. A ética de Joe se dá precisamente onde não há mais ética pré-definida — este parece ser o ponto de vista delineado pelo filme. Ao afirmar sua diferença ou singularidade, Joe conjura a “Razão Universal”, recurso amplamente utilizado desde o iluminismo para prescrever normas e condutas morais. No entanto, a transgressão de Joe engendra uma ética possível: “Torna-te o que tu és”.
(Me pergunto se não seria possível uma abordagem feminista do filme: Joe, uma mulher: é o sujeito que fala. Joe, uma mulher: é o sujeito do desejo.)
Lá onde o espaço dos afetos, dos acontecimentos brutos e do “real” predominam, a história de Joe supera a ordem das representações – não há coerência ou ações previsíveis. O sujeito cede lugar às experiências contraditórias, limites e improváveis que o constituem, e ao mesmo tempo anulam sua aparente unidade, de modo a produzir uma multiplicidade de “Joes” irredutíveis. Espaço subjetivo sem dúvida perigoso e desconcertante, no qual a vida da personagem radicalmente se desdobra.
Importante observar: mesmo a culpa manifestada pela personagem, em decorrência de seus “desvios”, é ambígua, culpa performada ou teatralizada, em todo caso, provisória. Embora chame a si mesma de “mau ser humano” (essa fala se repete algumas vezes), deixa claro: a sociedade que a patologiza, Joe afirma, é ela mesma doente.
Lars Von Trier não oferece respostas ou soluções. Ele não se preocupa em responder as aporias, que atravessam a vida contemporânea, tematizadas em Ninfomaníaca. Sua abordagem é a da problematização, da abertura dos paradoxos que formam historicamente a sociedade ocidental. A sexualidade, o crime, o desvio, a norma, a doença, a verdade, a afirmação da vida, ou a negação da vida – tais são os temas que percorrem o filme. Se há uma tomada de partido (e creio que há) na estética de Ninfomaníaca, esta é: escutemos com atenção os paradoxos que constituem a sociedade – os mesmos que nos subjetivam.
Bruno Lorenzatto é licenciado em História e mestre em Filosofia pela PUC-Rio
fonte:http://outraspalavras.net/blog/2014/03/26/outra-visao-sobre-ninfomaniaca/.

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