A Ignorância é cult...
Quando a criança aprende uma língua, é natural que, antes
mesmo de ler e escrever, identifique e associe palavras ao significado. Muitos
pais se surpreendem quando ela aponta para um livro e repete exatamente o que
está escrito. Cachorro, gato, backyardigans... Especialistas em educação
infantil não veem surpresa. É o processo natural, dizem.
Por isso, na infância, quanto mais cedo melhor para elas
aprenderem. Vale tanto para o português quanto para uma língua estrangeira.
Sim, elas são capazes de entender ─ ouvir e falar ─ outro idioma mesmo sem
conhecer nada de ortografia, gramática etc. Nessa fase, é normal que escrevam
cachorro com x e enxergar com ch.
Muitos pais até se divertem. Afinal, mesmo “errando”, o
filhinho ou a filhinha segue uma lógica que faz todo o sentido. E, até então,
ele ou ela ainda é apenas uma criança. A próxima etapa será dominar a norma
culta. O processo é praticamente o mesmo em todo o mundo ocidental.
No Brasil, porém, algo de muito estranho acontece. Gente que
deixou de usar fraldas muito tempo atrás continua a grafar enxergar com ch e,
por incrível que pareça, está chegando à universidade ainda nesse estágio e
recebendo aplausos do governo. O ministério da Educação não “encherga” nada de
errado nisso. É capaz de dar nota mil para a redação do gênio!
Sim, merece repúdio o professor que, em vez de ajudar,
humilha o estudante que erra a grafia óbvia de uma palavra. É uma estupidez.
Mas daí ao MEC optar pela pedagogia do “nóis pega o peiche” constitui sandice
ainda maior. Imagine médicos, jornalistas, professores, advogados e doutores
que o país formará daqui para frente. O prodígio pode até se tornar ministro do
Supremo, pois no Brasil tudo é possível, mas pelo próprio mérito dificilmente
passará num concurso para juiz de primeira instância.
E tudo parte do coitadismo: a teoria de que se está
combatendo supostas convenções elitistas e suas regras discriminatórias à
sabedoria natural dos pobres e oprimidos. A linguagem escrita evolui e
incorpora modismos, progressos e retrocessos da fala. Mas, nunca antes na
história da humanidade, país nenhum tentou elevar a ignorância à condição de
norma culta. O Brasil será pioneiro nesse quesito.
É verdade que alguém pode ser sábio sem nunca ter posto o pé
na escola. Assim como merece aplauso o poeta popular capaz de superar qualquer
vate Ph.D─
apesar de os versos não seguirem as regras da academia. Mas eles são a exceção.
A regra costuma ser outra bem diferente: é aquela que não passou do chachorro
com x se transformar em adulto jeca. Ou pior: num doutor jeca.
Por Plácido Fernandes Vieira
Placidofernandes.df@dabr.com.br CorreioBraziliense- Opinião. 20 de março de 2013